Um fundo de investimento com patrimônio de R$ 235 milhões pode ser o elo entre três operações da Polícia Federal, deflagradas em abril. As operações Encilhamento, Rizoma e Gatekeepers apontam suspeitas de fraudes superiores a R$ 1,5 bilhão, possivelmente cometidas por administradores, gestoras, empresas emissoras de dívida e investidores – nesse caso, institutos de previdência (RPPS). Trata-se do fundo Sculptor, administrado pela Gradual e gerido pela FMD Asset.
Em sua carteira, conforme dados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), estão fundos que investem em empresas que podem ser de fachada, títulos de dívida comprados de companhia que já tinha pedido recuperação judicial e créditos de banco em liquidação pelo Banco Central. O Sculptor foi um dos fundos citados no relatório da Polícia sobre a Encilhamento – outro fundo citado, o Monte Carlo, administrado pela Foco DTVM, era um dos cotistas do Sculptor, até fevereiro.
A PF chegou ao Sculptor porque ele investe no fundo Gradual Renda Fixa, veículo que fez investimentos na empresa ITS@ – que pertence a Gabriel Freitas, marido da proprietária da Gradual, Fernanda Lima. Ambos foram presos na operação Encilhamento. Freitas foi liberado na sexta e Fernanda, no domingo.
Para a PF, a ITS@ é uma empresa de fachada, o que é negado pelo advogado do casal, que afirma que a empresa tem funcionários e desenvolve softwares. É no Gradual Renda Fixa que investem fundos geridos pela Oak, cujo administrador também foi preso e é suspeito, segundo a PF, de ter vínculo com a Gradual.
Mas esse é só um pequeno pedaço da carteira. O Sculptor tem R$ 1,19 milhão em crédito de uma fabricante de cosméticos de Nova Iguaçu, com capital de R$ 390 mil. Essa empresa, a Belmark, está em recuperação judicial, assim como outra empresa ligada a ela, a IMS Comercial/Aroma do Campo, que funciona no mesmo lugar. A recuperação judicial foi pedida em 2014 e o título foi incluído na carteira depois disso, em abril de 2016, no valor de R$ 3,02 milhões. Segundo o sindicato de funcionários, houve demissões sem pagamento das obrigações e parte da produção da fábrica foi suspensa.
O terreno da Aroma foi comprado por um fundo imobiliário, o AQ3 FII, administrado pela Foco DTVM, por R$ 11 milhões – a Foco era sócia da gestora AQ3. Na carteira do fundo imobiliário, esse ativo é avaliado em R$ 19,3 milhões. Mas há uma ressalva do auditor no balanço consolidado do fundo do ano passado, em relação a este e a outros ativos. Segundo relatório da Baker Tilly, “não foram apresentados os registros dos imóveis em nome do fundo comprovando a propriedade dos terrenos industriais de Taubaté, Queimados e Nova Iguaçu”. O auditor também ressalta que o ativo deveria ser avaliado conforme valor de mercado, mas que a administração do fundo não tinha contratado uma empresa especializada para fazer o laudo de avaliação até o fechamento do balanço.
Em fevereiro deste ano, a AQ3 firmou um termo de compromisso com a Anbima, por ter feito alocações em um fundo acima dos limites permitidos em seu regulamento. Foco, Aroma e IMS não retornaram aos pedidos de entrevista. A AQ3 diz que não tem qualquer relação com os fundos Sculptor e Monte Carlo e que qualquer posição detida direta ou indiretamente por eles no AQ3 FII se deu por negociações privadas entre cotistas, em mercado secundário, “sobre as quais não possui qualquer ingerência”. Sobre o imóvel da Aroma, diz que anualmente contrata laudos de avaliação.
Direta e indiretamente, investem no AQ3 FII fundos administrados ou geridos pela Bridge – empresa de José Carlos de Oliveira e Arthur Machado (presos nas operações Encilhamento e Rizoma, respectivamente) -, pela Gradual e pela Reag. A Reag é, desde março, administradora e gestora do FIP Cais Mauá – em que o Sculptor tem investimento indireto. A empresa Cais Mauá, a Reag e o administrador anterior do fundo, a Icla, foram alvos de busca e apreensão na operação Gatekeepers, segundo uma fonte. A Reag diz que os fatos investigados nessa operação são anteriores à sua entrada como administradora e gestora do FIP.
O Sculptor também investe, direta e indiretamente, em pelo menos outros quatro fundos administrados ou geridos pela Reag, como o Cam Vanguarda Imobiliário, Cam Agro Eficiência Ambiental e Top Cash (que investe no AQ3 FII). Alguns desses fundos são administrados pela Intrader, cujo presidente, Edson Hydalgo Junior, foi preso na Encilhamento. A Reag diz que não há nada na investigação envolvendo a empresa e ressalta que a administração dos fundos Cam Vanguarda e Agro também é recente. E diz que, desde que assumiram os fundos, não houve movimentação nas carteiras. A Intrader diz que a investigação é ligada ao executivo e não à corretora.
O fundo tem ainda R$ 4,83 milhões em títulos de crédito do banco BRJ, em liquidação extrajudicial desde agosto de 2015. O investimento foi feito cinco meses antes, quando o fundo comprou R$ 7,55 milhões desses papéis. No início de 2017, o fundo aumentou a posição em papéis do BRJ, passando de R$ 15 milhões, segundo a carteira na CVM. Também tem R$ 5,95 milhões de dívida de um projeto imobiliário na Bahia, o Bem Viver Itaparica, que, segundo ações movidas por compradores na Justiça, deveria ter sido entregue em 2015, mas tem previsão atualizada para este ano, conforme o site da empresa.
Em dois anos, o patrimônio do Sculptor passou de R$ 69,1 milhões para R$ 235 milhões. Seus principais investidores, diretos e indiretos, de acordo com o relatório da Polícia Federal, são RPPS – entre os citados no relatório, estão os institutos de Uberlândia (MG), Osasco e Paulínia (SP) e Belford Roxo (RJ).
A gestora do Sculptor, a FMD Asset, também gere o fundo Illuminati – que tem como cotista o Tower Bridge, gerido e administrado pela Bridge, e é citado no relatório da PF. Para a polícia, a gestora tem vínculo com Renato de Matteo, um consultor que orientava institutos de previdência a investir. A FMD diz que tem restrições para comentar, uma vez que as investigações estão em curso, mas afirma que “cumpre rigorosamente as normas da CVM e da ANBIMA e nega qualquer irregularidade” nos fundos de investimento.
Desde o início, em 2012, o Sculptor rendeu 46,16%, ante 88,48% do indicador de referência – IPCA mais 6%.
Fonte : Valor Econômico